Confira
o comentário do jornalista Luis Nassif a respeito da política e da economia no
Brasil nesta terça-feira, 22 de dezembro.
“Vamos
discutir o que vejo como a maior ameaça contra a democracia desde os tempos de
chumbo dos anos 70”, diz Nassif no início do programa. “Nós temos duas
ofensivas usando o Judiciário. Uma, que não é propriamente do Judiciário: são
essas ações em bloco, feita em geral por esse pessoal ligado ao Bolsonaro”,
diz, citando o caso do escritor J.P.Cuenca.
“Você
pega o caso dessas ações dos bolsonaristas e, em geral, o veículo consegue se
defender. Tem juízes dão o ganho de causa, mas esse desgaste que ocorre no meio
do caminho é sem tamanho. O segundo tipo de ação não é dos bolsonaristas, mas
são de grupos de juízes injuriados com críticas que se façam ao Judiciário, e
deslumbrados com os incentivos que tiveram a partir da Lava-Jato para mostrar
musculadora. E fora políticos”
Segundo
Nassif, a ideia é discutir o conceito de liberdade de opinião e de democracia.
Para isso, o jornalista conversa com Rogério Sottili, do Instituto Vladimir
Herzog, Cid Benjamin, vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
o economista Antonio Correa de Lacerda e o jornalista Marcelo Auler.
Marcelo
Auler explica que seus processos começaram na década de 90, onde a publicação
de uma única matéria no jornal O Dia rendeu mais de 60 processos. “Eu denunciei
alguma coisa perto de 90 policiais federais, todos eles entraram com ação. A
maioria entrou com ação contra O Dia (…) O jornal perdeu algumas, ganhou
outras, fomos condenados principalmente pelo título”
“Eram
todas referentes a policiais que estavam respondendo a inquéritos, processos,
já tinham sido condenados ou em processos administrativos. Todas”, diz
Auler. “Na Lava-Jato, comecei a ser
perseguido. Primeiro, veio a Érika Mialik Marena (Delegada da Polícia Federal)
que entrou com três ações contra mim – uma pela reportagem do meu blog, outra
por uma reportagem que fiz na Carta Capital e uma por queixa-crime pela
reportagem que fiz na Carta Capital”
“As
reportagens eram parecidas, que ela tinha ajudado a quebrar segredo de Justiça,
que constava isso no depoimento de um delegado – e ela não acreditava que eu
tinha acesso ao depoimento”, diz Auler, citando ainda processos do delegado da
PF Maurício Moscardi Grillo – “ele ficava desistindo das ações onde não
arranjava censura. Acabou conseguindo uma censura, mas depois a própria juíza
extinguiu o processo”
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“Eu
sou ainda censurado por uma ação judicial de uma juíza de Pinhais, que move uma
ação contra mim lá no Paraná”, afirma Auler. “A ação está parada, já pedimos
para rever a censura”
Ao
discutir o direito a informação, Rogério Sottili diz que os últimos anos
mostraram a importância da defesa da liberdade de expressão. “Estamos vivendo
um processo de aniquilamento da democracia, uma agressão absurda a todos os
instrumentos democráticos, a todos os pactos internacionais, a todos os pactos
internos”, diz Sottili
“Por
conta da nossa própria democracia ser muito jovem e não ter feito adequadamente
todos os processos que deveriam ter feito”, pontua o diretor-executivo do
Instituto Vladimir Herzog. Sobre liberdade de expressão, Sottili diz que “os
pactos internacionais também tem dado instrumentos importantíssimos para que a
gente possa se defender”
“O
Brasil é um dos países que mais mata e persegue jornalistas e comunicadores do
mundo, ficando apenas atrás do México”, afirma Sottili. “Para se ter uma ideia:
em 2019, tivemos mais de 200 casos de agressões contra jornalistas e
comunicadores no Brasil”
O
número de agressões a jornalistas e comunicadores representa um aumento de 57%
do que o visto em 2017. “Desses casos de 2019, quase 60% foram agressões
diretamente do governo Bolsonaro contra os comunicadores. Nós não podemos
aceitar e admitir que um país como o Brasil, que tem toda uma trajetória de
luta para reconquistar a democracia, possa viver o que está vivendo hoje”.
Cid
Benjamin, vice-presidente da ABI, explica que os abusos contra os jornalistas
tem um pano de fundo a ser desvendado. “Quando Bolsonaro vai a uma formatura de
PMs no Rio de Janeiro, como fez na semana passada, e faz um discurso
violentíssimo (…) Ele está, na verdade, incentivando aqueles policiais que
estão se formando a hostilizarem, agredirem e cometerem violências contra os
jornalistas”
“Não
é exagero o que vou dizer: o Bolsonaro, para ele, a imprensa é uma inimiga”,
diz Benjamin. “Mesmo que seja uma imprensa que não seja de oposição,
exatamente. Só o fato de ser independente, ele já vê como inimiga. A natureza
do Bolsonaro é ser um sujeito contra a imprensa, contra a democracia, e a favor
de todas essas barbaridades que ele tem dito”, afirma o vice-presidente da ABI.
“É
preciso mostrar que é uma questão geral, que não basta ser solidário a A, a B
ou a C. É preciso uma articulação mais geral, mostrar que isso é um problema da
democracia brasileira, e ser tratado desta maneira”, afirma Benjamin.
“É
preciso, de fato, organizar essa resistência de algo mais amplo, não ficarem só
algumas entidades (…) É preciso colocar nessa resistência os vários veículos –
mesmo que eles não estejam sendo atingidos agora, eles são alvos possíveis”,
pontua Cid Benjamin.
Nassif
lembra que, além da censura vinda em forma de processos, tem a censura tácita
que é a interdição do debate econômico, onde só uma voz acaba sendo ouvida.
Para Antonio Correa de Lacerda, a questão fundamental são as condições do
Estado Democrático de Direito. “É um processo que, há alguns anos, nós
observamos no Brasil, e que na verdade estão interligados”.
“Quando
você pega o impeachment, ou o golpe, da Dilma em 2016, e depois a própria
eleição do Bolsonaro (…) Democracia não é só o direito de votar, mas veja todo
o contexto em que ele foi eleito”.
“Ele
(Bolsonaro) foi eleito com base em fake news, claramente, inviabilizando com o
apoio, inclusive da ação de alguns juízes, procuradores, etc, o seu maior
adversário (que era o Lula na época)”.
“Cooptou
esse juiz que passou a ter lado – na medida em que aceitou em plena campanha, e
ele mesmo reconhece, o cargo de Ministro da Justiça desse futuro governo”, diz
o presidente da Cofecon (Conselho Federal de Economia). “Então, não foi uma
eleição justa”.
Lacerda
também lembra o rompimento das condições do Estado Democrático de Direito e a
desvalorização das instituições. “Perigosamente alguns setores importantes da
sociedade brasileira flertaram com esse autoritarismo, com essa visão parcial
de justiça”.
“Nós
temos segmentos importantes da sociedade brasileira que incrivelmente continuam
apoiando esse tipo de atitude”, diz Lacerda. “Sem democracia econômica, não há
democracia completa”.
“E
como isso se reflete na economia: na medida em que você praticamente interditou
o debate econômico na grande mídia”, diz o presidente da Cofecon. “A grande
mídia, hoje, é dominada pelos setores que são vencedores dentro dessa exceção
que se transformou o Brasil”.
“Por
exemplo: os grandes interesses ligados ao setor financeiro – mas não só os
bancos e corretoras. Os chamados rentistas, que são aqueles que se apropriam
dos benefícios desse quadro da dívida pública, da arbitragem, e a forma como
isso afeta um país que por si só é desigual. “O Brasil é o país mais desigual
do mundo em todos os pontos de vista (…) Diante da pandemia, essas fragilidades
todas se escancaram. Então, quando você fala ‘fique isolado’, nós temos um
déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias Brasil afora”, afirma
Lacerda.
“O
debate econômico precisa voltar a incorporar as questões amplas do
desenvolvimento, porque a democracia na sua acepção, contempla evidentemente a
superação dessas debilidades”, explica o economista. “Daí a importância de uma
imprensa livre, daí a importância da liberdade de expressão (…) “Nessa questão
específica do jornalismo investigativo, da imprensa independente: se você
cercear essa possibilidade, isso vai na contramão da busca do desenvolvimento
(…)”, diz Lacerda.
Do GGN
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