segunda-feira, 1 de junho de 2020

XADREZ DA CASSAÇÃO DE BOLSONARO E A INCÓGNITA MILITAR, POR LUIS NASSIF

O relevante é que parece ter caído a ficha geral do risco da prorrogação do governo Bolsonaro. Não há acordo possível. E não há empate. O STF e o Tribunal Superior Eleitoral têm que pagar para ver.
Peça 1 – o desmonte da ordem pós-Segunda Guerra
Até os anos 80, o comportamento militar brasileiro era previsível. Havia dois grupos principais. Um deles, de alinhamento com os Estados Unidos, processo acelerado iniciado na Segunda Guerra e tendo como expoentes o grupo da Sorbonne – liderado intelectualmente por Golbery do Couto e Silva. Havia um segundo grupo, ligado genericamente à chamada linha dura, ao qual pertenceram, em épocas diferentes, Arthur da Costa e Silva, Garrastazu Médici. E um grupo egresso do tenentismo dos anos 30, tendo como líder o último dos tenentes, Ernesto Geisel.
O primeiro grupo era defensor do mercado, do alinhamento automático com os Estados Unidos. O terceiro grupo apostava em um projeto nacional fincado na industrialização. E o segundo grupo era pragmático: queria o poder.
Como pano de fundo, havia a excepcional influência americana, presente no domínio sobre o multilateralismo do pós-guerra, no alinhamento com forças militares de todo o mundo e um discurso fincado na guerra fria, tendo o comunismo como o grande adversário da democracia apud EUA.
Peça 2 – as mudanças globais
A partir dos anos 80, houve mudanças substanciais na geopolítica norte-americana. A parceria com governos militares virou alvo de críticas contundentes, após as denúncias de tortura e práticas antidemocráticas. A partir de então, mudam o foco e passam a trabalhar o Judiciário dos diversos países.
Mais recentemente, o avanço das redes sociais colocou um ingrediente novo no jogo, ao permitir o exercício da chamada guerra híbrida. A desorganização do mercado de opinião, o protagonismo dos setores do Judiciário denunciando os vícios do modelo democrático e do financiamento de campanha, a indignação com a concentração de renda, abriram espaço para o renascimento da ultradireita antiglobalista em nível mundial. A inimiga da democracia passa a ser, então, a ultradireita, não mais o comunismo.
Esse movimento leva ao poder dos EUA Donald Trump, justamente na fase mais decisiva da história moderna dos EUA. Houve uma completa perda de rumo nas estratégias internacionais dos EUA. E, agora, com as eleições, poderá emergir um país completamente diverso daquele liderado por Trump.
Peça 3 – o elefante e os sete cegos
Tudo isso impactou o pensamento militar, e a uma perda ampla de referenciais. Afinal, o que pensam os militares brasileiros?
Antigamente, os Clubes Militares refetiam as divisões nas Forças Armadas. E essas divisões se davam apenas entre o oficialato. Havia. Grupo pró-americano, liderado por Eduardo Gomes, Juarez Távora. Na outra ponta, o grupo nacionalista liderado por Stillac Leal, Horta Barbosa, os Cardoso (pai e tio de Fernando Henrique Cardoso). Ambos com posições ideológicas e políticas bastante claras.
Hoje em dia, há confusão total. De um lado, a absoluta falta de projeto nacional pelas Forças Armadas. A rigor, os únicos grupos que pensam estrategicamente a questão da segurança nacional são os Institutos Militares – mas sem eco nos centros de poder militar.
Ao lado disso, há um novo espaço de discussões dos escalões inferiores. No pré-64, o conceito de hierarquia foi abalado pelo fantasma da sindicalização de soldados, cabos e sargentos. Cabo Anselmo foi o agente infiltrado que, com seus fake News, ajudava a incendiar os escalões superiores, acelerando a adesão ao golpe militar.
Hoje em dia, a opinião da base se consolida através das redes sociais e de grupos de WhatsApp.
Por outro lado, o trabalho de desmoralização da política, empreendido pela Lava Jato, com aval do Supremo, abriu um vácuo de poder que, em determinado momento, foi ocupado pelo Ministério Público Federal. Duas ações nefastas endossaram a ascensão de Bolsonaro e, com ela, a contaminação política do poder militar. Do lado da Justiça, a Lava Jato; do lado das Forças Armadas, o general Villas Boas.
Hoje em dia, a questão militar é uma incógnita. Lembra a fábula do elefante e os 7 cegos. Cada jornalista traz as impressões que colhe junto aos militares que conhece, e atribui as declarações a um genérico “os militares”. E há as chamadas vivandeiras, pretendendo definir as manifestações na Paulista como meras brigas de torcida, que justificariam a intervenção militar.
Peça 4 – A incógnita militar e os poderes
Pelos ecos da cobertura de Brasília, percebe-se três níveis de posição entre os militares.
O Alto Comando parece preocupado com a imagem da instituição. E entendendo o estrago causado pela aproximação com um Presidente desastroso e temerário como Bolsonaro. A indignação com o vazamento do vídeo da reunião de 22 de abril foi devido ao fato de expor a humilhante subordinação dos ministros militares ao comando constrangedor de Bolsonaro.
Há o grupo dos interessados, dos dois mli e tantos  militares, muitos da ativa, convocados para cargos no governo. E os herdeiros da guerra fria, como esse inacreditável general Alberto Heleno.
As reportagens de Brasília refletem, em geral, opiniões de um desses três grupos. Mas não trazem o todo. Como são as discussões internas entre essas posições? Quais as pressões de lado a lado? Até que ponto o Alto Comando vai aceitar a defesa da Constituição que, de alguma forma, prejudique o protagonismo recente das Forças Armadas, que as fizeram merecedoras de benesses nas reformas da Previdência e nos cargos públicos?
É essa falta de informação que segura a cassação da chapa Bolsonaro.
Ontem, no editorial “Os democratas precisam conversar” O Globo comprovou a influencia da incógnita militar. Propôs uma grande frente nacional em defesa da democracia, como ocorreu após o impeachment de Collor. Ótimo! Conclamou todos os setores democráticos, da esquerda moderada à direita moderada para um pacto nacional. Maravilha! Denunciou o método chavista de Bolsonaro, de cooptar militares, muitos da ativa, para compromete-los com seu projeto de poder. Verdade! E encerrou com a verdadeira quadratura do círculo: “Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo”.
É o chamado prego sobre vinil.
No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Alexandre de Moraes aposta que Bolsonaro blefa ao invocar o apoio militar. Já Dias Toffoli e Celso de Mello temem a ascensão do fascismo.  Mas, independentemente do maior ou menor receio, sabe-se que o enfrentamento será inevitável.
Para Gilmar Mendes, o mais relevante, no momento, é desconstruir, junto ao Alto Comando das Forças Armadas, o discurso bolsonarista de que as decisões do Supremo, como a autonomia dos estados para decidirem sobre o isolamento, é inconstitucional; desconstruir a tese absurda de Ives Gandra de que o artigo 142 da Constituição conferiu às Forças Armadas o poder de defender a Presidência contra outros poderes; e rechear o inquérito 141, de Alexandre de Morais, com provas definitivas e irrefutáveis.
Enquanto isto, o receio dos Ministros é, em algum momento, um grupo de milicianos tentar invadir o Supremo e a Polícia não agir para contê-los.
Peça 5 – sem empate
O relevante é que parece ter caído a ficha geral do risco da prorrogação do governo Bolsonaro. Não há acordo possível. E não há empate. O STF e o Tribunal Superior Eleitoral têm que pagar para ver.
Há dois resultados possíveisO primeiro é as Forças Armadas respeitarem a Constituição e acatarem as determinações do Supremo. Nesse caso, encerra-se o drama brasileiro através do TSE e abre-se o espaço para um governo de transição comandado por Rodrigo Maia.
Se as Forças Armadas endossarem Bolsonaro, então não há o que discutir. Apenas se anteciparia um golpe inevitável.
Seja qual for a visão dos Ministros, há uma ampla solidariedade a Alexandre de Morais. E a convicção de que, nessa guerra entre a democracia e a barbárie, não há espaço para empate.
Do GGN

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