O
relevante é que parece ter caído a ficha geral do risco da prorrogação do
governo Bolsonaro. Não há acordo possível. E não há empate. O STF e o Tribunal
Superior Eleitoral têm que pagar para ver.
Peça 1 – o desmonte da
ordem pós-Segunda Guerra
Até
os anos 80, o comportamento militar brasileiro era previsível. Havia dois
grupos principais. Um deles, de alinhamento com os Estados Unidos, processo
acelerado iniciado na Segunda Guerra e tendo como expoentes o grupo da Sorbonne
– liderado intelectualmente por Golbery do Couto e Silva. Havia um segundo
grupo, ligado genericamente à chamada linha dura, ao qual pertenceram, em
épocas diferentes, Arthur da Costa e Silva, Garrastazu Médici. E um grupo
egresso do tenentismo dos anos 30, tendo como líder o último dos tenentes,
Ernesto Geisel.
O
primeiro grupo era defensor do mercado, do alinhamento automático com os
Estados Unidos. O terceiro grupo apostava em um projeto nacional fincado na
industrialização. E o segundo grupo era pragmático: queria o poder.
Como
pano de fundo, havia a excepcional influência americana, presente no domínio
sobre o multilateralismo do pós-guerra, no alinhamento com forças militares de
todo o mundo e um discurso fincado na guerra fria, tendo o comunismo como o
grande adversário da democracia apud EUA.
Peça 2 – as mudanças
globais
A
partir dos anos 80, houve mudanças substanciais na geopolítica norte-americana.
A parceria com governos militares virou alvo de críticas contundentes, após as
denúncias de tortura e práticas antidemocráticas. A partir de então, mudam o
foco e passam a trabalhar o Judiciário dos diversos países.
Mais
recentemente, o avanço das redes sociais colocou um ingrediente novo no jogo,
ao permitir o exercício da chamada guerra híbrida. A desorganização do mercado de
opinião, o protagonismo dos setores do Judiciário denunciando os vícios do
modelo democrático e do financiamento de campanha, a indignação com a
concentração de renda, abriram espaço para o renascimento da ultradireita
antiglobalista em nível mundial. A inimiga da democracia passa a ser, então, a
ultradireita, não mais o comunismo.
Esse
movimento leva ao poder dos EUA Donald Trump, justamente na fase mais decisiva
da história moderna dos EUA. Houve uma completa perda de rumo nas estratégias
internacionais dos EUA. E, agora, com as eleições, poderá emergir um país
completamente diverso daquele liderado por Trump.
Peça 3 – o elefante e os
sete cegos
Tudo
isso impactou o pensamento militar, e a uma perda ampla de referenciais.
Afinal, o que pensam os militares brasileiros?
Antigamente,
os Clubes Militares refetiam as divisões nas Forças Armadas. E essas divisões
se davam apenas entre o oficialato. Havia. Grupo pró-americano, liderado por
Eduardo Gomes, Juarez Távora. Na outra ponta, o grupo nacionalista liderado por
Stillac Leal, Horta Barbosa, os Cardoso (pai e tio de Fernando Henrique
Cardoso). Ambos com posições ideológicas e políticas bastante claras.
Hoje
em dia, há confusão total. De um lado, a absoluta falta de projeto nacional
pelas Forças Armadas. A rigor, os únicos grupos que pensam estrategicamente a
questão da segurança nacional são os Institutos Militares – mas sem eco nos
centros de poder militar.
Ao
lado disso, há um novo espaço de discussões dos escalões inferiores. No pré-64,
o conceito de hierarquia foi abalado pelo fantasma da sindicalização de
soldados, cabos e sargentos. Cabo Anselmo foi o agente infiltrado que, com seus
fake News, ajudava a incendiar os escalões superiores, acelerando a adesão ao
golpe militar.
Hoje
em dia, a opinião da base se consolida através das redes sociais e de grupos de
WhatsApp.
Por
outro lado, o trabalho de desmoralização da política, empreendido pela Lava
Jato, com aval do Supremo, abriu um vácuo de poder que, em determinado momento,
foi ocupado pelo Ministério Público Federal. Duas ações nefastas endossaram a
ascensão de Bolsonaro e, com ela, a contaminação política do poder militar. Do
lado da Justiça, a Lava Jato; do lado das Forças Armadas, o general Villas
Boas.
Hoje
em dia, a questão militar é uma incógnita. Lembra a fábula do elefante e os 7
cegos. Cada jornalista traz as impressões que colhe junto aos militares que
conhece, e atribui as declarações a um genérico “os militares”. E há as
chamadas vivandeiras, pretendendo definir as manifestações na Paulista como
meras brigas de torcida, que justificariam a intervenção militar.
Peça 4 – A incógnita
militar e os poderes
Pelos
ecos da cobertura de Brasília, percebe-se três níveis de posição entre os
militares.
O
Alto Comando parece preocupado com a imagem da instituição. E entendendo o
estrago causado pela aproximação com um Presidente desastroso e temerário como
Bolsonaro. A indignação com o vazamento do vídeo da reunião de 22 de abril foi
devido ao fato de expor a humilhante subordinação dos ministros militares ao
comando constrangedor de Bolsonaro.
Há
o grupo dos interessados, dos dois mli e tantos militares, muitos da
ativa, convocados para cargos no governo. E os herdeiros da guerra fria, como
esse inacreditável general Alberto Heleno.
As
reportagens de Brasília refletem, em geral, opiniões de um desses três grupos.
Mas não trazem o todo. Como são as discussões internas entre essas posições?
Quais as pressões de lado a lado? Até que ponto o Alto Comando vai aceitar a
defesa da Constituição que, de alguma forma, prejudique o protagonismo recente
das Forças Armadas, que as fizeram merecedoras de benesses nas reformas da
Previdência e nos cargos públicos?
É
essa falta de informação que segura a cassação da chapa Bolsonaro.
Ontem,
no editorial “Os democratas precisam
conversar” O Globo comprovou a influencia da incógnita militar. Propôs uma
grande frente nacional em defesa da democracia, como ocorreu após o impeachment
de Collor. Ótimo! Conclamou todos os setores democráticos, da esquerda moderada
à direita moderada para um pacto nacional. Maravilha! Denunciou o método
chavista de Bolsonaro, de cooptar militares, muitos da ativa, para
compromete-los com seu projeto de poder. Verdade! E encerrou com a verdadeira
quadratura do círculo: “Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por
sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também
para ele e seu governo”.
É o chamado prego sobre
vinil.
No
Supremo Tribunal Federal, o Ministro Alexandre de Moraes aposta que Bolsonaro
blefa ao invocar o apoio militar. Já Dias Toffoli e Celso de Mello temem a
ascensão do fascismo. Mas, independentemente do maior ou menor receio,
sabe-se que o enfrentamento será inevitável.
Para
Gilmar Mendes, o mais relevante, no momento, é desconstruir, junto ao Alto
Comando das Forças Armadas, o discurso bolsonarista de que as decisões do
Supremo, como a autonomia dos estados para decidirem sobre o isolamento, é
inconstitucional; desconstruir a tese absurda de Ives Gandra de que o artigo
142 da Constituição conferiu às Forças Armadas o poder de defender a
Presidência contra outros poderes; e rechear o inquérito 141, de Alexandre de
Morais, com provas definitivas e irrefutáveis.
Enquanto
isto, o receio dos Ministros é, em algum momento, um grupo de milicianos tentar
invadir o Supremo e a Polícia não agir para contê-los.
Peça 5 – sem empate
O
relevante é que parece ter caído a ficha geral do risco da prorrogação do
governo Bolsonaro. Não há acordo possível. E não há empate. O STF e o Tribunal
Superior Eleitoral têm que pagar para ver.
Há
dois resultados possíveisO primeiro é as Forças Armadas respeitarem a
Constituição e acatarem as determinações do Supremo. Nesse caso, encerra-se o
drama brasileiro através do TSE e abre-se o espaço para um governo de transição
comandado por Rodrigo Maia.
Se
as Forças Armadas endossarem Bolsonaro, então não há o que discutir. Apenas se
anteciparia um golpe inevitável.
Seja
qual for a visão dos Ministros, há uma ampla solidariedade a Alexandre de
Morais. E a convicção de que, nessa guerra entre a democracia e a barbárie, não
há espaço para empate.
Do
GGN
0 comments:
Postar um comentário