O
STF emergirá do dilúvio como a barca de Noé, a instituição que, finalmente,
assumiu suas responsabilidades constitucionais e foi central para garantir a
democracia.
PEÇA 1 – OS VÁCUOS DE
PODER
O
bolsonarismo se beneficia dos vácuos de poder. Após o impeachment, ocorreram
quatro movimentos simultâneos:
A
ressaca das instituições, quando sai de cena o grande álibi sancionador de
todos os abusos, o antipetismo.
A
bandeira única da anticorrupção, ainda uma onda hegemônica alimentada pelos
ecos da Lava Jato e pelo aval dado por Sérgio Moro, com sua entrada no governo.
O
aval do Poder Militar, em cima das atitudes irresponsáveis do ex-Comandante do
Exército, general Villas Boas, adotando a candidatura de Jair Bolsonaro e
tornando as FFAAs eternamente responsáveis pelas consequências.
O
compromisso com o desmonte social, que bate com o profundo preconceito contra
minorias e movimentos que marca o anti-pensamento de Bolsonaro, garantindo o
apoio do mercado.
Bolsonaro
ganhou espaço para matar a lógica, a moral, a ética pública. Ocupou os espaços
acompanhado de sua troupe, influenciadores digitais e empresários de
ultradireita, o que de pior o Brasil já produziu, tendo na retaguarda a ameaça
militar simbolicamente representada pelos militares que levou para o governo.
Representava
o anti-sistema e, antes de ganhar um rosto definido, cada setor imaginava-o de
uma maneira idealizada, como se fosse possível erradicar do seu caráter o apoio
à tortura, à morte, as ligações com milícias.
Ao
mesmo tempo, a onda de ultradireita promoveu uma mudança radical na composição
do Congresso, com a chegada de vários deputados ligados à guerrilha digital
bolsonarista.
TInha-se,
ali, a receita para o endurecimento do regime.
E
os Bolsonaros deitaram e rolaram em cima desse pacto tácito, estimulando a
violência digital, facilitando a importação de armas, flexibilizando a
fiscalização do contrabando, atacando adversários, com empresários financiando
as milícias digitais, preparando-se para o embate direto com as instituições.
PEÇA 2 – OS FATORES DE
DESGASTE
Os
absurdos cometidos pelos Ministros fundamentalistas, os arroubos retóricos de
Bolsonaro, os indícios de envolvimento com o crime organizado, passaram a
desgastar progressivamente Bolsonaro.
Houve
alguns episódios centrais que aceleraram o isolamento dos Bolsonaro:
A
demissão de Sérgio Moro. Antes dele, o esvaziamento da Lava Jato, Nas milícias
digitais, o discurso anticorrupção da Lava Jato foi inteiramente substituído
pelas pirações retóricas de Carlos e Eduardo Bolsonaro e dos Youtubers de
direita, aumentando gradativamente os ataques às instituições.
O
fracasso do combate ao Covid, no plano político, social e econômico.
Os
absurdos reiterados da área fundamentalista do governo.
Os
julgamentos internacionais sobre o país, gradativamente transformado em pária
da ordem internacional. As impropriedades na área internacional, especialmente
os ataques gratuitos à China.
O
vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, acabando de vez com a
narrativa de que os militares bolsonaristas poderiam manter Bolsonaro sob
controle.
A
demissão de dois Ministros da Saúde que não aceitaram compactuar com as
loucuras de Bolsonaro.
PEÇA 3 – OCUPANDO OS
VÁCUOS DE PODER
Para
se organizar institucionalmente, as corporações – militares, jurídicas –
necessitam de um polo agregador, um centro de poder em torno do qual os demais
se organizem.
Progressiva
e rapidamente, Bolsonaro se mostrou incapaz de ser esse poder central. Pelo
contrário, tornou-se fonte permanente de confusão, de desordem, tanto
diretamente quanto através de suas milícias.
Com
o Covid-19, seu governo registrou o tríplice fracasso, nas frentes de saúde,
econômica e social.
Mesmo
assim, havia um problema no ar: os vácuos de poder. Para anular qualquer
veleidade do Poder Militar, havia a necessidade do surgimento de um novo
centro atuando como poder moderador.
A
Câmara Federal, através de Rodrigo Maia, iniciou a primeira reação contra as
loucuras de Bolsonaro, mas dentro dos limites do legislativo.
No
STF (Supremo Tribunal Federal), ainda havia os ecos do Twitter de Villas Boas,
em plena campanha eleitoral, colocando os 11 magistrados para correr. E os
ataques que sofria especialmente das milícias digitais que gravitavam em torno
da Lava Jato do Paraná, e mesmo ataques pessoais dos próprios procuradores
paranaenses, poderosos ante o apoio que obtinham na mídia e nas milícias
digitais.
Esse
mundo começou a ruir com a ida de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça de
Bolsonaro, expondo a hipocrisia do justificialismo de negócios. E, depois, pela
imprudência da montagem da fundação de R$ 2,5 bilhões para promover a bandeira
do punitivismo político.
A
trinca no cristal da Lava Jato abriu a brecha para a primeira reação do STF, a
abertura do inquérito das fake news pelo presidente Dias Tofolli, com a
relatoria entregue ao Ministro Alexandre de Moraes.
Ali
começou a mudança de jogo, acelerada pela Vazajato, o vazamento das conversas
privadas dos curitibanos, expondo de maneira exemplar a hipocrisia dos
“iluministas” e dos “ homens de bem”.
Antes
disso, havia duas milícias digitais agindo de forma simbiótica, a lavajatista e
a bolsonarista. A Lava Jato forneceu as bases para as milícias bolsonaristas,
não apenas o discurso anti-sistema, como seus seguidores, as palavras de ordem,
os limites para o afrontamento das instituições.
Com
sua saída de cena, o bolsonarismo perde o discurso legitimador. O moralismo
seletivo anti-PT é substituído pela guerra ao marxismo cultural e outras
pirações restritas à ultra-direita.
A
necessidade de manter diariamente a chama acesa faz com que sejam liberados os
Ministros fundamentalistas para toda sorte de extravagâncias medievais. E a
cara do governo Bolsonaro fica cada vez mais as figuras caricatas dos Ministros
da Educação, das Relações Exteriores, da Mulher.
Não
havia limites, também, para o modelo da militância. Esse tipo de discurso de
catarse desperta uma demanda do público mais que proporcional ao atendimento
das expectativas pelos atores políticos.
Figura
menor, Bolsonaro não tinha coragem de moderar a escalada radical da sua tropa,
com receio de perder apoio da base de apoio que lhe restou. E, de exagero em
exagero, chegaram aos ataques virulentos contra as instituições, especialmente
o Supremo Tribunal Federal e seus ministros.
Como
as duas redes – lavajatistas e bolsonaristas – eram simbióticas, não houve a
menor dificuldade para Alexandre de Moraes direcionar o inquérito das fake news
para o Gabinete do Ódio e similares. As redes eram as mesmas, provavelmente os
financiadores eram os mesmos, mudava apenas a fonte original de mensagens. Saia
a Lava Jato, seus vazamentos e conclamações políticas, e o discurso passava a
ser suprido pelas pirações dos olavistas, com sua irracionalidade atlântica,
afastando cada vez mais o bolsonarismo da lógica das instituições normais,
Forças Armadas e Judiciário.
Isolando-se
cada vez mais, Bolsonaro passou a reagir pavlovianamente. Toda semana, um
discurso radical, uma conclamação irresponsável, seguidos de um recuo
inconvincente. E, periodicamente, ele e seus generais insinuando a
possibilidade do Poder Militar entrar em cena.
Até
que o STF pagou para ver.
PEÇA 4 – O PAPEL DE
ALEXANDRE MORAES E DO STF
Alexandre
de Moraes teve papel central em desmascarar o blefe bolsonarista, através de
uma serie de medidas corajosas, nem sempre constitucionais:
A
suspensão da nomeação do novos superintendente da Polícia Federal por
Bolsonaro.
Busca
e apreensão em casas de Youtubers bolsonaristas.
Denúncia
contra o Ministro da Educação Abraham Weintraub, sujeitando-se à represália
física das milícias.
Reconhecimento
do poder de estados e municípios de definirem o isolamento.
Revogação
de diversos atos de governo
Com
essas medidas, expos o rei nu, o tigre banguela, consolidando o novo centro de
poder moderador, o Supremo.
Imediatamente,
clareou o jogo político, especialmente o papel dos militares no governo.
À
medida em que a pressão aumentava, um a um os generais de Bolsonaro colocaram
as mangas de fora e as cartas na mesa. O vice-presidente Hamilton Mourão
esqueceu o script de democrata civilizado e saiu chutando o pau da barraca.
Ministro-Chefe da Secretaria de Governo, o General Luiz Eduardo Ramos vestiu a
farda de companheiro de quartel de Bolsonaro, e saiu disparando ameaças vãs. O
general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, passou a se
comportar como um tuiteiro bolsonarista convencional. O Ministro da Defesa
Fernando Azevedo e Silva, mostrou que era Ministro de Bolsonaro, não das Forças
Armadas.
Agora,
o governo Bolsonaro afunda representando o maior desastre de imagem da história
das Forças Armadas.
O
fracasso da luta contra o Covid-19 destruiu a tentativa de convencer que
quadros militares seriam melhores que quadros civis em funções eminentemente
civis.
PEÇA 5 – OS PRÓXIMOS
CAPÍTULOS
Esta
semana, o Ministro Gilmar Mendes visitou o Alto Comando Militar. Coincidência
ou não, após o encontro deu declarações se dizendo a favor da reconciliação
nacional, da normalidade política, da esperança de que caia a ficha de
Bolsonaro. Em outra oportunidade, declarou que o julgamento do TSE será
eminentemente técnico – isto é, não se baseará em critérios políticos como, por
exemplo, uma eventual preocupação com a normalidade democrática.
Mero
recurso retórico, preparando os espíritos em geral para o julgamento do
Tribunal Superior Eleitoral, que deverá decidir o futuro da chapa
Bolsonaro-Mourão.
Já
há consenso no STF, na mídia, no mundo civilizado, que Bolsonaro é uma ameaça
irreversível, incompatível com qualquer normalidade democrática. E há indícios
de sobra de que o inquérito das fake news baterá nos financiadores da
candidatura Bolsonaro, abrindo caminho para a cassação da chapa.
Daí
a necessidade de despolitizar as decisões, sabendo haver provas em abundância
para convalidar tecnicamente a cassação da chapa.
Em
breve, o país se debruçará sobre os temas pós-Bolsonaro, a maneira como será
reconstruída a institucionalidade. E, especialmente, como se comportará o novo
STF.
O
STF emergirá do dilúvio como a barca de Noé, a instituição que, finalmente,
assumiu suas responsabilidades constitucionais e foi central para garantir a
democracia. Mas tem um histórico preocupante de seletividade política, de
protagonismo oportunista, de exacerbação do personalismo, especialmente se
mantiver os poderes acumulados nessa guerra mundial contra Bolsonaro.
A
grande reconstrução institucional se dará se houve o pacto geral, impedindo
manobras oportunistas, um grande acordo, como o que garantiu a transição no
governo Itamar, um interregno nas disputas políticas, na destruição das
políticas sociais, trazendo todos os jogadores para discutir as saídas
econômicas, políticas e sociais do país.
Do
GGN
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