domingo, 30 de agosto de 2020

JANIO DE FREITAS, UMA LIÇÃO PARA OS JOVENS (E NEM TÃO JOVENS) JORNALISTAS

Para um velho jornalista, embora muito distante de um decano de nossos comentaristas políticos como é Janio de Freitas, é um bálsamo saber que o emprego não te obriga seu caráter a capitular ante o vício, nem a dureza de suas posições não implica na grosseria e na agressão verbal.
Janio reage, hoje, contra a agressão tola e estúpida feita pela Folha à ex-presidente Dilma Rousseff, com o editorial “Jair Roussef”, fazendo uma comparação, além de insultante, totalmente despropositada.
Janio não repisa os argumentos que, destaca, foram bem levantados por Cristina Serra, em artigo na própria Folha (reproduzido aqui neste blog ) e por Conrado Hübner Mendes e Nelson Barbosa, também no jornal.
Faz, antes, a crônica das contradições que vive o jornal paulista, que pretende ser moderno e plural, mas que cede à tentação da mesquinharia por suas “quedas de asa à direita”, como define o colunista.
A queixa contra o desprestígio que a Folha vota a ele próprio, Janio, durante 30 anos um sinônimo do jornal, é feita com elegância triste, quase que a de um epitáfio: “Sou, por exemplo, uma prova (ainda) viva, entre muitas, de que censura é inconciliável com os cânones da Folha. Já foi observado por inúmeros leitores, no entanto, que determinados comentaristas não são chamados à Primeira Página, ou o são rarissimamente. Embora possam ter frequente presença entre os mais lidos, no jornal e na internet.”
É e será enquanto o tempo permitir, a lembrar que nas páginas tão coloridas dos jornais de hoje, é preciso quem saiba colocar com traços finos e e cortantes, o preto no branco, como ele faz.
A Folha no Erramos; editorial ‘Jair Rousseff’ trouxe de volta o tratamento de ‘ditabranda’.
Janio de Freitas, na Folha
O jornalismo das últimas décadas, entre nós, vem fechando olhos e ouvidos para o leitor, cada vez mais. Com a consequência automática de tiragens em permanente queda livre e apelo ilusório à soma das versões impressas e digital, para socorrer os slogans. Na própria soma, está uma prova do descaso, que lhe deu o preguiçoso nome de audiência, referente a nada mais do que audição, captação de sons.
Da parte dos leitores, os equívocos vêm, em grande parte, de insatisfações e indignações que se retroalimentam porque, aqui, o jornalismo não se ocupa da imprensa como notícia normal. Um caso exemplar se tornou, na Folha, tabu que assumo a responsabilidade de romper, como outros que este jornal no passado me permitiu desrespeitar. Trata-se do empréstimo, não sei se apenas episódico, de veículos da Folha à repressão na ditadura. Desde a redemocratização, essa colaboração substantiva e indigna é uma tinta pegajosa e indelével lançada contra a Folha, com justos motivos. Como sentença moral restaurada a cada atitude reprovável por determinados segmentos leitores.
À Folha não falta soberba, mas não vem daí a falta de explicação satisfatória para o erro. A impessoalidade do jornal e o seu silêncio levaram o ônus aos dois controladores da empresa, Octavio Frias e Carlos Caldeira Filho.
O primeiro, incumbindo-se sobretudo da atividade editorial; o outro, voltado mais para setores administrativos. A Caldeira credita-se a criação e comando de um modelar serviço de transporte e entrega de jornais, incomparável na imprensa brasileira da época, pela modernidade e dimensão da frota. Da qual saíram os veículos para o serviço sórdido.
Nunca ouvi que alguma vez Caldeira tenha clareado o ocorrido. Frias, muito menos. Mais onerado do que o sócio, dada a maior notoriedade da condução editorial, em 1993 a morte de Caldeira tornou Frias o alvo único. Um equívoco, além de intocado, ampliado. Não tem por que permanecer.
Da ditadura ainda tão presente ao presente ameaçado de sua volta: o editorial “Jair Rousseff”, no sábado (22), trouxe de volta a muitos leitores o tratamento de “ditabranda” certa vez aplicado, também em editorial, aos anos de tortura e assassinato nos quartéis.
Deste erro afrontoso adveio outro equívoco traumatizante nas relações entre o jornal e imensa parte da então centenas de milhares de leitores. Difundiu-se que Otavio Frias Filho, já diretor de Redação, foi o autor do editorial. Ou, em versão mais arriscada, quem determinou o uso do termo.
O que houve não era novidade, um editorialista revestindo com a autoridade do jornal o que, pode-se presumir por outros motivos, era ou é um conceito seu. Do jornal que publicara, e continuou publicando, tantas revelações de crimes de militares e da ditadura em geral, é que tal conceito não era.
A exemplo de Octavio pai, Otavio Filho guardou silêncio a respeito do editorial. Não há dúvida de que a imputação incabível o feriu. E acirrou indisposições suas com algumas figuras públicas e com posições à esquerda. Equívoco contra equívoco. Injustiça contra injustiça.
Para o bem e para o mal, com segurança do ato ou não, é incomum jornalistas ultrapassarem as reais ou presumidas opiniões e posições desejadas para o jornal, a TV e o rádio pelas respectivas cúpulas. Mas há transgressões e transgressões.
Sou, por exemplo, uma prova (ainda) viva, entre muitas, de que censura é inconciliável com os cânones da Folha. Já foi observado por inúmeros leitores, no entanto, que determinados comentaristas não são chamados à Primeira Página, ou o são rarissimamente. Embora possam ter frequente presença entre os mais lidos, no jornal e na internet.
Entre estes autores, em comum, a crítica ao conservadorismo, ao neoliberalismo, às fraquezas morais e à política no Judiciário e no Ministério Público, matéria-prima dos admirados comentários de Conrado Hübner Mendes e Celso Rocha de Barros. A discriminação é censura. É, no caso, autoritarismo clandestino, porque imposto onde é repudiado por princípio. Perde o jornal.
A procedência do editorial “Jair Rousseff” pode ter sido, também, o abuso de função. Como pode ter sido um aprofundamento, no pior rumo, da queda de asa para a direita introduzida ainda por Otavio Frias Filho. Se a Folha não esclarecer, o tempo, e não muito, o fará. Seja como for, não é, não pode ser próprio de um jornal, e deste nem como hipótese, o presente de maquiar a miséria humana de Bolsonaro juntando-lhe o nome ao de uma vida de dignidade que ninguém pôde atingir —Dilma Rousseff.
Por isso, peço licença a Cristina Serra para subscrever o bravo e brilhante artigo em que situa Dilma, Bolsonaro e o editorial nos termos justos e merecidos. Estendo o pedido a Conrado Hübner Mendes e a Nelson Barbosa, que apontou as imprecisões do editorial para servir ao seu título. Assim como o editorial será, são artigos para a história. Aos quais se junta a excelente carta da própria Dilma Rousseff à Folha.
Mas não se pode ignorar — nem entender, creio — o que se passa para que seja o mesmo jornal no erro ignominioso daquele título e na ética impecável da publicação, em suas íntegras, dos artigos de reprovação enérgica e sem concessão.
Do Tijolaço

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