quinta-feira, 17 de junho de 2021

PARA ENTENDER O SOBE-E-DESCE DO DÓLAR, POR LUIS NASSIF

Uma das grandes espertezas da análise econômica convencional é a maneira como busca a racionalidade do mercado em cima dos fundamentos macro-econômicos de médio prazo. É o velho truque do “ad terrorem”, muito empregado nos debates econômicos. Tipo, se não fizerem o que eu digo, haverá um cataclisma. Se a Lei do Teto for desrespeitada acaba o mundo; se houver aumento na ajuda emergencial, explode a inflação – embora a inflação seja consequência exclusiva da desvalorização do câmbio.

A leitura do mercado é que a queda do dólar se deveu ao aumento da fé do mercado no equilíbrio fiscal. Houve um aumento na arrecadação, fruto da inflação e de alguma recuperação. E toca o mercado a atribuir ao aumento da fé no equilíbrio fiscal, tendo enormes incertezas pela frente, como a possível terceira onda, crises políticas, problemas com inflação.

A lógica do mercado é muito mais chão. Consiste em promover o chamado overshooting do câmbio para cima ou para baixo – ou seja, impulsionar a tendência do momento do câmbio – ganhando na arbitragem. 

Entendendo:

1. Suponha um dólar a R$ 4,00 e uma taxa de juros de 2% ao ano.

2. Com taxa de juros mais baixa, há menos dólares entrando. Como o Banco Central não quer utilizar as reservas cambiais, o dólar sobe para até, digamos R$ 5,50, mesmo com o aumento do saldo comercial.

3. A desvalorização do câmbio pressiona a inflação. E o BC aumenta a taxa Selic. E aí, a roda da fortuna volta a girar.

4. O investidor entra e adquire dólar a R$ 5,50. Com US$ 1 milhão, adquire R$ 5,5 milhões. E aplica em uma Selic a 4,25%.

5. Suponha que o câmbio volte a R$ 4,50. Apenas nesse movimento, o investidor ganhará 22,22%. Ou seja, com os R$ 5,5 milhões conseguirá adquirir US$ 1,22 milhão.

Essa roda de saques contra o país existe desde a flexibilização do câmbio em 1999. Em outros tempos, aliás, a taxa Selic, muito mais elevada, permitia ganhos mais expressivos. 

O jogo se dava sobre o aperto nas contas externas. Permitia-se a apreciação do câmbio até que as contas externas estivessem estranguladas. Aí, havia o estouro da boiada, com os investidores mais espertos vendendo seus dólares no pico.

A desvalorização cambial permitia enormes ganhos. Quando a desvalorização batia no pico, pressionava a inflação levando o BC a aumentar os juros. Aí os dólares voltavam comprando reais baratos, aplicando-os em títulos públicos. Á medida em que os dólares voltavam, havia um novo movimento de apreciação até o estouro seguinte.

Agora, há fatores adicionais, como as incertezas em relação ao comportamento do FED (o Banco Central norte-americano). É isso que leva à volatilidade do mercado. Imaginar que os operadores estejam pensando no futuro das contas externas, é dar uma racionalidade que não se aplica ao efeito-manada do mercado.

GGN.

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