Bem
sei, leitor, que a recuperação em curso está longe de espetacular. Ela se
concentra, por enquanto, no setor primário exportador (agropecuária e extrativa
mineral). Indústria e serviços continuam fracos.
Há pouco mais de um mês, publiquei aqui um artigo com título dramático: “Hora
de partir para a jugular!” (8 de maio de 2021, incluir link). Argumentei
que Bolsonaro vive seu pior momento, mas pode se recuperar e disputar com
grande chance a reeleição. E que cabe, portanto, derrubá-lo agora, na sua fase
de maior fraqueza. Desde que o artigo foi publicado, as possibilidades de
recuperação do governo ficaram mais evidentes. Já não vejo quase ninguém se
animando a dizer, como muitos antes diziam, que o presidente nem chega ao
segundo turno das eleições do ano que vem.
Isso é uma pena, claro, mas temos que ser realistas. Quero retomar a discussão
hoje, concentrando-me nos aspectos econômicos, sem repetir os argumentos do
artigo anterior.
A
RECUPERAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA
As evidências vêm-se acumulando de que a economia está tomando impulso, apesar
da segunda onda da epidemia. Isso resulta de uma combinação de fatores. Do
exterior vem o aumento da demanda externa por exportações brasileiras, liderado
pelo rápido crescimento das duas maiores economias do mundo, a dos Estados
Unidos e, sobretudo, a da China. Ligado a isso, e em especial à expansão
chinesa, temos um ciclo de alta dos preços das commodities exportadas pelo
Brasil e, em consequência, melhora pronunciada dos nossos termos de troca. O
real depreciado também contribui para o aumento das exportações.
No plano interno, as indicações são de que, com muito custo e sofrimento, as
empresas e os indivíduos – mais um exemplo da criatividade que caracteriza o
brasileiro – se adaptaram à pandemia, o que também favorece certa recomposição
da atividade econômica. Além disso, e a despeito da alta recente da taxa básica
de juro administrada pelo Banco Central, a atividade parece responder, com
defasagem, à diminuição dos juros iniciada em meados de 2019. Quanto à política
fiscal, parece provável que ela acabe sendo, na prática, bem menos restritiva
do que anunciava ou desejava a equipe econômica do governo. Pode até ocorrer
expansão fiscal na segunda metade do ano. E não se deve descartar que uma
avaliação a posteriori da política fiscal, baseada por exemplo na
variação do déficit primário ajustado para excluir efeitos cíclicos, venha a
indicar neutralidade ou até certo impulso em 2021. Por essas razões e outras,
houve reavaliação geral para melhor das previsões de crescimento do PIB neste
ano. Já há quem projete 5% ou mais.
Observo, de passagem, que esse crescimento nada tem a ver com as reformas estruturais
cantadas em prosa e verso pelo mercado, pela mídia corporativa e pelo ministro
Paulo Guedes. Não só porque elas têm avançado relativamente pouco (e ainda bem
porque o governo e o Congresso as têm formulado de modo altamente questionável,
para dizer o mínimo), mas também porque muitas delas têm impacto duvidoso em
termos de reativação. Por exemplo, o “efeito confiança” sobre o investimento
privado, via diminuição de juros de longo prazo, é incerto e, na melhor das
hipóteses, pequeno, podendo ser neutralizado por efeitos contracionistas sobre
a demanda de algumas dessas reformas.
A
RECUPERAÇÃO NÃO É ESPETACULAR
Bem sei, leitor, que a recuperação em curso está longe de espetacular. Ela se
concentra, por enquanto, no setor primário exportador (agropecuária e extrativa
mineral). Indústria e serviços continuam fracos. A economia apenas voltou ao
nível pré-pandemia, que era, recorde-se, um nível deprimido após seis anos de
recessão ou crescimento medíocre. Grande parte do crescimento do PIB em 2021
(ano calendário sobre ano calendário) deriva de uma herança estatística e o
crescimento ao longo do ano será bem menor do que sugere a taxa interanual. As
projeções para o PIB em 2022 ainda são modestas – em torno de 2 a 2,5%, segundo
levantamento semanal do Banco Central.
Pode-se questionar se resultados como esses realmente ajudarão o governo do
ponto de vista político. Tanto mais que – e esse ponto é crucial – o mercado de
trabalho continua desastroso. O desemprego alcançou níveis recordes e os
salários reais sofrem com isso e com o efeito corrosivo da alta da inflação,
provocada por choques de oferta (câmbio, commodities, energia elétrica). Também
não se pode descartar que ocorram novos choques adversos com efeitos sobre PIB,
emprego e/ou inflação. Por exemplo, um apagão no fornecimento de energia
elétrica. Ou uma terceira onda destrutiva da pandemia.
O
ADVERSÁRIO TEM MUNIÇÃO ECONÔMICA
Apesar disso, é mais realista, acredito, admitir que o quadro econômico geral
evoluirá de forma positiva até as eleições de 2022, favorecendo a reeleição do
presidente. Feita a ressalva de que previsões em economia estão sempre sujeitas
a chuvas e trovoadas, diria que a inflação deve ceder, a expansão da atividade
econômica deve provavelmente continuar e pode até ganhar ímpeto, propiciando
com alguma defasagem a recuperação do emprego.
Um fator fundamental é o avanço da vacinação, ainda que com atraso
verdadeiramente criminoso. Outro – menos comentado –, a expansão do gasto
público daqui até a eleição.
Não quero, leitor, espalhar desânimo, mas creio que é preciso reconhecer que o
governo terá munição para promover uma política fiscal relativamente flexível
e, em especial, a ampliação expressiva do programa Bolsa Família, com forte
impacto eleitoral. Essa é uma das razões, como indiquei acima, para rever para
cima as projeções de crescimento do PIB. A afirmação talvez surpreenda, uma vez
que contraria o discurso dominante no Brasil, inclusive o da equipe econômica
do governo, de que “o Brasil está quebrado”, “O Estado faliu”, “precisamos de
urgente consolidação fiscal” etc. Acontece que esse discurso alarmista nunca
teve fundamento, como eu e outros economistas temos explicado repetidamente nos
anos recentes.
Há um fator específico que ajuda o governo. O teto constitucional de gastos é
reajustado em termos nominas, a cada ano, pela inflação acumulada em doze meses
até junho do ano anterior. O teto para 2022 será corrigido com a inflação no
pico. Como será que o governo usará esse espaço? Pergunta ingênua, claro. O
ministro Paulo Guedes vem dando a pista em repetidas declarações. Disse, por
exemplo, que o PT mereceu ganhar quatro eleições porque fez o Bolsa Família.
Disse, também, que admite prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses
como ponte para um novo e ampliado Bolsa Família. Imagine, leitor, o impacto
político de um programa de transferência de renda turbinado – e talvez
rebatizado para que Bolsonaro possa chamá-lo de seu!
Se houver dificuldades com o teto de gastos ou com algum outro obstáculo legal,
alguém duvida que se encontrará um jeito de contorná-los? Na briga entre a luta
pela reeleição e eventuais escrúpulos fiscais da equipe econômica ou do mercado
financeiro quem será que leva a melhor?
UM APELO AO LEITOR
Por esses e diversos outros motivos, também de natureza não-econômica e não
abordados neste artigo, é que se deve admitir que a barbárie tem chances, sim,
de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais. Não é à toa que venho
dizendo e repetindo: é hora de partir para a jugular!
Admitindo-se que não haja nenhum bolsominion extraviado nesta coluna, posso
terminar com um pedido ao meu querido leitor ou leitora? Salvo por motivos
realmente extraordinários, não deixe de fazer a sua parte e comparecer à
manifestação no dia 19 de junho e às que se seguirão! Não é hora de preguiça e
pequenas covardias. Não é hora de ficar em casa, angustiado, protestando nas
redes sociais ou se lamuriando com amigos e família. Tome todas as precauções
sanitárias e compareça.
E vista preto em sinal de luto pelas quase 500 mil vítimas da Covid-19. Preto,
não vermelho. As manifestações – e creio que as lideranças sabem disso – devem
ser amplas, transcendendo a esquerda e incluindo todos que se opõem à barbárie.
GGN.
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