Quem
faz jornalismo político fora de Brasília tem a grande desvantagem de não poder
tatear entre as conversas reservadas, segredos que vazam e indiscrições
“discretas”. E quem conhece aqueles pagos, como Luís Costa Pinto, repórter
também dos desvãos brasilienses, que colheu o depoimento histórico de Pedro
Collor, que precipitou o processo de impeachment de seu irmão Fernando, sabe
tudo o que se passa fora da ribalta do poder.
Em
artigo publicado há pouco no Plataforma Brasília, ele esclarece o que está por
trás do sumiço do general Augusto Heleno que, ao lado de Eduardo Villas Boas,
sustentou o dispositivo militar que levou Jair Bolsonaro ao poder e aponta a
precária composição de forças que se faz entre ele e uma camada acovardada e
bulímica camada militar a qual, agora, parece faltar calço firme na alta
hierarquia militar.
O
que apavora um presidente à beira – ou já mais que isso – de um ataque de
nervos.
BOLSONARO
PRESSENTE DEPOSIÇÃO E REAGE: DESCONFIA DOS MILITARES
Luís Costa Pinto
Augusto Heleno,
general-de-Exército da reserva, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, está fora de combate. Tomado por uma crise aguda de
depressão clinicamente diagnosticada, submete-se a tratamento rigoroso.
Com o comandante fora da trincheira do GSI, a
coordenação da segurança presidencial foi entregue a militares com os quais
Jair Bolsonaro não tem intimidade e que não gozam da confiança dos filhos do
presidente.
O vereador Carlos Bolsonaro, integrante do clã
presidencial que mais se imiscui nos porões palacianos, foi o responsável
indireto pela espoleta que fez o pai explodir qual pistola com bala de festim
na última segunda-feira em Guaratinguetá (SP).
Tão logo saltou do veículo que o conduzia, Bolsonaro foi saudado por gritos de
“genocida!”, “impeachment, já!”, “vacina no braço, comida no prato!”. Sempre
aziago, o mau humor presidencial desandou de vez. Ele lançou um olhar
enfurecido pelo oficial do GSI responsável pela segurança do evento e
passou-lhe uma descompostura de fazer corar até alguns dos sem-vergonha que o
acompanhavam (foi o caso da deputada federal Carla Zambelli e do prefeito do
município do interior paulista).
A
COVARDIA DO PRESIDENTE
Frouxo e covarde,
com temor explícito às reações e reprimendas do general Heleno que, sabia, não
viriam dado as condições clínicas do militar que comanda o GSI, o presidente
então deu vezo às reclamações contra sua equipe: sabia que não haveria rebate
pelo superior do militar a quem fora designada a missão de garantir sua segurança
em Guaratinguetá.
Àquela altura, ele já fora informado que diversos veículos de imprensa tinham
informações dando conta da compra de vacinas indianas Covaxin superfaturadas em
1.000% e o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR) e assessores do
ex-ministro Eduardo Pazuello haviam se envolvido diretamente no negócio. Não
sabia, ainda, que o site Uol receberia mais tarde o vazamento de um relatório
da Agência Brasileira de Informações (Abin, controlada por militares)
levantando suspeitas sobre a fortuna e o rápido enriquecimento do amigo Luciano
Hang, o grotesco dono das Lojas Havan.
Exalando o mau humor que lhe é peculiar e o azedume dos maus bofes que marcam a
sua personalidade, Jair Bolsonaro explodiu contra os repórteres que
improvisaram uma entrevista coletiva no corredor que era caminho único para seu
evento no interior paulista. Sem guardar resquícios da compostura exigida para
um Chefe de Estado, soltou impropérios contra a imprensa em geral e a Rede
Globo e a TV CNN em particular (também lançou perdigotos ao léu, contra as
repórteres encarregadas de cobrir o ato, ao tirar ilegalmente a máscara em meio
a um acesso de ira quase animal).
No regresso ao comboio presidencial, o oficial do GSI destacado para coordenar
aquele deslocamento da comitiva presidencial foi mais uma vez desancado como
égua arisca nas mãos de capataz bêbado em estrebarias de fazendas de gado nos
rincões de Goiás.
MILITARES
GERAM DESCONFIANÇA
Bolsonaro
desconfia cada dia mais dos militares que o cercam. E crê ter muitas razões de
sobrar para manter acesas tais suspeições.
Um dos catalisadores dos acessos de cólera do
presidente é seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão. Nos últimos cinco
dias, em pelo menos três pronunciamentos públicos, Mourão deixou claro que não
é ouvido pelo titular da chapa por meio da qual galgou à vice-presidência. A um
interlocutor comum dele e do cabeça-de-chapa de 2018 disse que não há “nosso
governo”. Haveria, sim, um “governo dele (Bolsonaro)”. Os erros e descaminhos
da gestão, portanto, seriam frutos exclusivos das escolhas e das companhias do
presidente da República.
Jair Bolsonaro sabe que não era a primeira
opção dos militares na última eleição. Organizados nos Clubes Militares, os
oficiais da reserva até denotavam uma preferência por eles. Mas, além de não
terem voz ativa, eram minoria. Liderados pelos generais Sérgio Etchegoyen,
Eduardo Villas-Boas e Silva e Luna, os quarteis do Exército não escondiam
desconforto pelo primarismo de Bolsonaro. Torciam pela decolagem, na campanha, de
nomes como Geraldo Alckmin, João Amoedo e até Luciano Huck (que refugou no
lançamento de sua candidatura).
A greve dos caminhoneiros de maio de 2018, episódio que terminou de derrubar
quaisquer aspirações de Michel Temer a sair um pouco melhor do Palácio do
Planalto depois de ter usurpado a cadeira presidencial entrando pela porta dos
fundos na sede de governo, pôs os militares definitivamente na mediação da
crise política nacional. Bolsonaro cresceu naquele momento, disseminou o
próprio nome entre os grevistas, mas, não foi ali que se converteu na
alternativa militar.
Disputando pelo obscuro PSL, Jair Bolsonaro só passou a ser o “Plano Único” dos
estrategistas fardados depois do episódio do atentado a faca do qual foi vítima
em Juiz de Fora (MG). Divisor de águas no curso da campanha e responsável por
determinar uma guinada patética da cobertura da mídia no processo eleitoral, a
conversão do atual presidente em “vítima” do sistema (algo que nunca foi, muito
pelo contrário) concedeu ao seu nome um verniz de outsider. Era um falso
brilhante. O verniz, contudo, foi decisivo para a vitória.
GENERAIS
MANOBRARAM A JUSTIÇA
Sérgio Etchegoyen,
chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Temer, e Eduardo Villas-Boas,
chefe do Estado Maior do Exército sob Dilma e que seguiu no posto após o golpe
jurídico/parlamentar/classista que apeou a ex-presidente porque serviu à
construção do enredo golpista, foram personagens ativos na ascensão eleitoral
de Bolsonaro em 2018 no curso de uma campanha assimétrica.
Etchegoyen entrincheirou-se
no Tribunal Superior Eleitoral e, em reuniões nas quais inflava o clima de
conspiração e de conflagração nos quarteis, açulou os ministros da Corte
eleitoral a concederem benefícios de campanha a Bolsonaro – tais como dar uma
entrevista individual à TV Record no mesmo dia e hora do derradeiro debate
entre os candidatos no primeiro turno.
Alegando mal-estar, Bolsonaro recusara o
convite para o debate. No segundo turno, o TSE, por meio de uma decisão do
então ministro Admar Gonzaga, permitiu que todos os debates fossem cancelados,
no lugar de terem sido convertidos em entrevistas. O candidato apoiado
explicitamente pelos militares transformou sua campanha em notas oficiais lidas
em off pelos telejornais, ausentando-se do debate de ideias e do cotejamento de
propostas.
A urdidura de Etchegoyen teve o auxílio
vergonhoso de Admar Gonzaga, então ministro do TSE que havia sido advogado de
Carlos Bolsonaro e deixou o tribunal por lhe terem sido impostas contingências
da Lei da Maria da Penha (foi acusado de agredir a esposa). Ao deixar o TSE,
Gonzaga virou advogado e secretário-geral do grupo que tenta criar um partido
para Bolsonaro.
Villas-Boas, como é público e notório, é réu confesso do crime de ameaça ao
Supremo Tribunal Federal. Em dois tuítes, na véspera de a Corte Suprema decidir
sobre a possibilidade, ou não, de o ex-presidente Lula disputar a Presidência
(ele era o favorito naquele momento em todas as pesquisas pré-eleitorais do
pleito de 2018), o então Comandante Geral do Exército soprou eflúvios de veneno
golpista e de interrupção da construção democrática brasileira caso o STF não
tirasse Lula da corrida eleitoral. Acovardados, os ministros do Supremo
acolheram a chantagem militar.
OS
COMANDANTES FORAM INGÊNUOS?
Ouriçados com a vitória do pupilo, os
comandantes militares das três forças estavam crentes na capacidade que teriam
para tutelar a criatura primária, de rala formação moral e escasso preparo
intelectual, que se elegera.
Péssimos estrategistas, os integrantes da
cúpula militar estavam enganados. Na melhor das hipóteses, foram ingênuos em
demasia. Ninguém tutela um presidente da República eleito com 54 milhões de
votos, tampouco uma personalidade deformada como a de Jair Bolsonaro. Ele é um
ser acometido de possessões diárias da “Síndrome da Pequena Autoridade”, os
mesmos desvios de caráter e de conduta que se verificam nos famosos “guardas da
esquina” nos processos de ascensão de regime nazi-fascistas.
Quanto mais
reivindica lealdade dos militares a seu projeto de poder personalista, dando
pistas de que não se resignará a uma derrota nas urnas de 2022 que parece
iminente e óbvia a dezesseis meses do pleito, mais distante Bolsonaro fica da
meta almejada de reunir o consenso das Forças Armadas a si.
Tendo cruzado o
rubicão da política e aberto os portões dos quarteis para um debate franco em
torno de opções eleitorais – o que é descabido e impensável entre militares
profissionalizados e ciosos do papel de garantidores da Constituição que detêm
– os atuais comandantes das três forças desejam se manter influentes e
afluentes no poder. Contudo, sabem que o caminho tomado por Bolsonaro
inviabiliza da manutenção do Brasil no rol das nações consideradas democracias
institucionais maduras.
Não passa pela
cabeça nem pela prancheta dos comandos militares brasileiros quaisquer tipos de
golpes tradicionais como o de 1964. Há uma janela aberta, com fresta exígua,
para um golpe parlamentar como o de 2016 que depôs Dilma Rousseff sem crime de
responsabilidade – fazer o presidente da Câmara, Arthur Lira, mudar de lado nos
próximos meses e aceitar um pedido de impeachment.
Um impeachment clássico (razões e crimes de responsabilidade não faltam no
prontuário de Bolsonaro) é o melhor caminho para conservar o esmalte
“democrático” do Brasil no exterior e dar margem e poder de manobra para o vice
Hamilton Mourão convocar um breve governo de “conciliação e união” do centro à
direita e tentar se viabilizar candidato ou inventar uma chapa
“liberal-democrática” com seu apoio nos moldes do que foi construído pela dupla
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso em 1994.
BOLSONARO
E “O RETRATO DE DORIAN GRAY“
No momento, uma
certeza dilacera os militares que colaram suas reputações e seus projetos
pessoais em Jair Bolsonaro: ele perde a eleição para qualquer um em 2022 e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, é o favorito em todos os cenários
pré-eleitorais.
Na caserna, não se crê em recuperação da economia, muito menos no programa de
privatizações vendido pelo ministro Paulo Guedes como panaceia – espécie de
cloroquina econômica. Só ao custo de uma divisão inédita dos comandos militares
as Forças Armadas perfilariam a favor de uma aventura de não reconhecimento do
resultado do pleito presidencial.
A imagem de Jair Messias Bolsonaro afixada nas
fotos oficiais dos QGs brasileiros assemelha-se, a cada dia que passa, ao
retrato de Dorian Gray, no romance homônimo do escritor e dramaturgo britânico
Oscar Wilde.
Assim como o personagem de Wilde, Bolsonaro
vendeu sua alma aos comandantes militares e firmou uma profissão de fé de que
seriam felizes juntos e para sempre no comando do País. Contudo, ao se
descobrir Presidente, acreditou ser onipotente e deixou vazar os matizes mais
grotescos e bizarros de sua alma deformada. Assustados com as perversões que
ajudaram a implantar no Palácio do Planalto e envergonhados com a péssima
figura externa que o Brasil faz hoje no mundo, os chefes das Forças Armadas
querem apagar a foto e exorcizar a culpa que têm por terem-na encomendado. Dar
cabo dessa missão, entretanto, é tarefa para um Estadista – e não há biografias
disponíveis no espectro de direita com tamanha envergadura para suportar a
dimensão desse adjetivo superlativo.
Luís
Costa Pinto, 52. Jornalista profissional desde 1990.
Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi
repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e
Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio
Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades
de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de
Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios
“Abril” de reportagem. É autor dos livros “Os Fantasmas da Casa da Dinda”, “As
Duas Mortes de PC Farias” e “Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo
Brasileiro” que já tem dois volumes lançados e o volume 3 está em fase de
edição.
Tijolaço.
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