Na
coletiva, o comandante da força tarefa que executou 25 pessoas em Jacarezinho
atribui a tragédia ao supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, ao impedir
novas operações durante a pandemia, o STF – através de decisão do Ministro Luiz
Edson Fachin – teria permitido às facções se armarem.
Na
CNN, o principal porta-voz do bolsonarismo no jornalismo, Alexandre Garcia,
repete os mesmos argumentos e as mesmas acusações ao Supremo.
Vamos
juntar algumas peças:
PEÇA
1 – Bolsonaro e a Segurança do Rio de Janeiro
Desde
o início de governo, Bolsonaro se imiscuiu na segurança do Rio de Janeiro. A
seu pedido, em maio de 2020 o então Ministro da Justiça Sérgio Moro afastou o
delegado Ricardo Saadi, alegando problemas de “produtividade”. Conferiu-se,
depois, que, sob Saadi, a Superintendência do Rio ostentou os melhores índices
de produtividade de todo o país.
Ao
mesmo tempo, investiu contra a fiscalização da Receta Federal no porto de
Itaguaí, no Rio, porta de entrada do contrabando de armas no país.
Em Xadrez
dos Bolsonaro e da expansão das milícias para Angra, relatamos os
movimentos dúbios dos Bolsonaro em relação às milícias.
PEÇA
2 – os Secretário de Castro e as milícias
Ao
iniciar sua política de genocídio, o ex-governador Wilson Witzel desmontou a
Secretaria de Segurança e transformou a Polícia Civil e a Militar em
Secretarias. Ou seja, sem nenhuma intermediação política e definindo, de modo
próprio, as ações de repressão.
Com
a queda de Witzel, o sucessor Cláudio Castro nomeou os novos Secretários em
acordo direto com Jair Bolsonaro. Para a Secretaria de Polícia Civil foi
nomeado o Delegado de Polícia Allan Turnowski; para a Secretaria de Polícia
Militar, o coronel da PM Rogério Figueredo de Lacerda (Figueredo é sem i
mesmo).
Em
depoimento ao Ministério Público Federal, o miliciano Orlando Oliveira Araújo,
conhecido como Orlando Curicica, denunciou ambos como ligados às milícias, de
acordo com reportagem
da Revista Piauí de julho de 2020.
Segundo
a revista,
· O
secretário da Polícia Militar, coronel Rogério Figueredo de Lacerda, ganhava um
mensalão do próprio Orlando Curicica quando comandava o 18º Batalhão da PM em
Jacarepaguá. Na época, Figueredo de Lacerda recorria à ajuda de milicianos para
combater o tráfico na área.
· Allan
Turnowski, segundo na hierarquia da Polícia Civil, recebeu propina do bicheiro
Rogério Andrade.
· O secretário
da Polícia Civil, Marcus Vinicius Braga, que deixou o cargo no final de maio,
pediu ajuda da milícia para prender traficantes na Zona Oeste.
Não
se tratava de caça pequena. Preso por envolvimento com milícias, Curicica
foi o primeiro a delatar o Escritório do Crime, do qual fazia parte.
Turnowski
tem histórico de combate aos que combatem as milícias.
Em
2011 foi nomeado para o Departamento Geral de Polícia da Capital. Na mesma
ocasião, o chefe do Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado)
era delegado Cláudio Ferraz, com um amplo histórico de combate às
milícias: chegou a prender 200 milicianos.
Em
2011 foi decretada pela Polícia Federal a Operação Guilhotina. Nela
foi detido o delegado Carlos Oliveira, sub chefe da Polícia Civil e braço
direito de Turnowski, acusado de vender armas para traficantes.
A
reação de Turnowski foi atacar o delegado Cláudio Ferraz, e acusá-lo de
corrupção. A “prova”, segundo ele, teria sido um inquérito que investigava
supostos desvios no município de Rio das Ostras, que durou dois dias. Com
base nesse fato, Turnovski chegou
a lacrar a Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado).
Logo
depois, Turnowski foi indiciado pela Polícia Federal, acusado de ter
alertado seu subordinado sobre Operação Guilhotina. Na época ele negou a
acusação, mas foi exonerado do Departamento Geral de Polícia da Capital.
PEÇA
3 – reunião com Bolsonaro
No
dia 5 de maio, Bolsonaro iniciou o dia com ataques ao Supremo. Deu declarações
de enfrentamento nítido ao Supremo, sustentando que editaria uma medida contra
os governadores que “não vai ser contestado por nenhum tribunal, porque será
cumprido”.
A
bazófia foi repercutida pela mídia e e interpretada como uma auto-defesa em
relação à CPI do Covid.
Na
sequência, Bolsonaro rumou para o Rio de Janeiro e reuniu-se com o
governador Cláudio
Castro. Chegou no Palácio Laranjeiras às 16:45 e teve reunião a portas
fechadas. Na saída do encontro, a imprensa foi informada de que a conversa foi
sobre parceria entre o Estado e a União. Nada mais foi dito.
No
dia seguinte, explode a Operação que massacrou 25 pessoas.
Na
coletiva, o chefe da operação acusa diretamente o Supremo pela tragédia.
Segundo ele, a decisão do Ministro Luiz Edson Fachin, de impedir operações
durante a pandemia, permitiu o fortalecimento do tráfico, levando ao confronto.
Esse
mesmo discurso seria repetido no dia seguinte pelo principal porta-voz de
Bolsonaro, jornalista Alexandre Garcia.
PEÇA
4 – a narrativa provável
A
hipótese mais provável é a seguinte:
1.
O desastre na frente econômica e sanitária erodiram a popularidade e o poder
político de Bolsonaro.
2.
Bolsonaro tentou envolver as Forças Armadas e falhou. O ápice foi a demissão do
Ministro da Defesa e a reação interna, que obrigou Bolsonaro a cumprir o
regulamento da nomeação dos novos chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
3.
Sem respaldo das FFAAs para o golpe, era óbvio que partiria para a
radicalização.
4.
Com a ordem para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, autorizasse a
abertura da CPI do Covid, o Supremo torna-se seu alvo preferencial.
5.
Não tendo condições de afrontar o STF pessoalmente, Bolsonaro recorre ao
governador Castro para o enfrentamento. Basta pegar uma investigação em
andamento e, a partir dela, promover o massacre, tendo no comando da segurança
do Rio dois secretários identificados com o bolsonarismo e suspeitos de
envolvimento com as milícias.
A
operação afronta diretamente decisão do Supremo.
PEÇA
5 – o Brasil contra o crime
Como
o STF e as instituições reagirão à rebelião das milícias fluminenses, eis a
questão.
Houvesse
um Ministro como Alexandre de Moraes à frente, certamente teria sido ordenada a
demissão imediata do Secretário da Polícia Civil.
Luz
Edson Fachin não dispõe da mesma têmpera. Jogou o caso para plenário. Mas, se
não adotar uma atitude drástica contra a rebelião criminosa da Polícia Civil do
Rio de Janeiro, a autoridade do Supremo estará comprometida.
GGN
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