Seu
mérito maior era o de vendedor, o de convencer investidores - e fundos de
pensão públicos - a investir em projetos com promessas que dificilmente se
realizavam.
A
entrevista de Paulo Guedes a O Globo é a comprovação factual da perda
de rumo do Ministro da Economia, em plena eclosão da crise.
Guedes
perdeu contato com a realidade. A entrevista é um amontoado de fake news,
atropelando números conhecidos.
Alguns
exemplos de fakenews, já descritos em coluna de ontem:
1.
“Peguei uma inflação alta e entregarei uma inflação mais baixa”.
Em
janeiro de 2019, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) anual do IBGE
estava em 3,78%. Atualmente, está em 6,10%. O IGP-M (Índice Geral de Preços do
Mercado) da Fundação Getúlio Vargas, foi de 7,54% em 2018. Em 2020 foi de
23,14%¨. Este ano, até abril acumula variação de 9,89%;
2.
Peguei o país crescendo 1% e o entregarei crescendo 3%”.
O
PIB de 2018 foi de 1,12%. O de 2020, -4,1%.2.
3.
“Peguei o país com 12 milhões de desempregados e o entregarei com 10”.
O
desemprego estava em 12,4% em dezembro de 2018. E em 14,4% em fevereiro de
2021.
4.
“É uma oportunidade. Ele é a vítima da nossa legislação trabalhista. Quando
você bota lá o salário mínimo, um rapaz filho de uma classe média, que estudou
em uma boa universidade, fala duas línguas, ele consegue emprego com salário
mínimo.”.
A
maior inovação teórica das últimas décadas: o salário mínimo se transformou em
salário máximo. E destruição do emprego formal aumenta salários.
5.
A segunda medida, estamos chamando de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP). Da
mesma forma que se dá R$ 200 para uma pessoa que está inabilitada receber o
Bolsa Família, por que não poderia dar R$ 200 ou R$ 300 para um jovem nem-nem?
Ele nem é estudante nem tem emprego. Ou seja, é um dos invisíveis. Agora, esse
jovem vai ter que bater ponto e vai ser treinado para o mercado de trabalho.
Esse
programa existe no papel há mais de década.
6.
“O maior exemplo de compromisso com a saúde é que eu falei que tem que criar
voucher. Acho natural que, com as novas tecnologias, as pessoas queiram viver
100 anos. O grande desafio é como ajudaremos nesse sentido as camadas mais
frágeis. Por que um sujeito rico se interna no (hospital) Albert Einstein e o
pobre tem que ficar numa fila do SUS durante dez dias? Se o pobre tiver um
voucher e não tiver vaga no SUS, ele vai na rede privada. São soluções privadas
efetivas para problemas públicos gravíssimos”.
O
dia em que um voucher permitir a um pobre se internar no Albert Einstein, nem
todo o orçamento do país cobrirá os gastos com saúde. Guedes é mentiroso
compulsivo, porque sabe disso. A vantagem do SUS é a universalização a um custo
baixo.
A
entrevista é relevante pelo lado oposto, ao expor um Ministro que perdeu totalmente
pé da realidade. No mercado, Guedes ficou conhecido por algumas
características.
Uma
delas, a incapacidade de comandar equipes maiores. Perdia-se no comando de
grupos pequenos de operadores, trabalhando em cima de um mesmo universo de
informações.
O
segundo, a dificuldade em analisar comportamento de ativos. Era conhecido por
ser um perdedor.
Seu
mérito maior era o de vendedor, o de convencer investidores – e fundos de
pensão públicos – a investir em projetos com promessas que dificilmente se
realizavam.
No
governo, as pirações de Jair Bolsonaro colocaram sob o comando de Guedes vários
ministérios reunidos em um único super-ministério. Ministério fundamentais,
como o do Planejamento, Indústria e Comércio. Sem a menor visão de conjunto da
economia, Guedes permitiu que o câmbio explodisse, os produtos comercializáveis
inflassem a inflação interna, a falta de limites para as exportações criasse
gargalos em inúmeras cadeias produtivas. Sua resistência em melhorar a renda
emergencial ajudaram a aprofundar não apenas a crise social, a fome, mas a
derrubar ainda mais a economia.
A
falta de filtros nas declarações e um individualismo exacerbado comprometeram
irremediavelmente as relações com o Congresso, submetendo o orçamento a uma
carnificina.
Essa
desmoralização final de Paulo Guedes ocorre ao mesmo tempo em que a CPI da
Covid-19 promete ir a fundo para identificar responsáveis pela morte de mais de
400 mil brasileiros. Trata-se da CPI mais óbvia já proposta, pois sabe-se, com
abundância de provas em áudios e vídeos, da responsabilidade central de
Bolsonaro. O trabalho da CPI será apenas a de sistematizar provas já
existentes.
Acuado,
Bolsonaro recorrerá a alguns movimentos óbvios.
O
primeiro deles, já em andamento, consiste em radicalizar a truculência das suas
milícias, policiais civis e militares da base. Aparentemente, perdeu a condição
de um golpe com as Forças Armadas. Na outra ponta, acenará com promessas não
críveis de retomar as tais reformas. Ao mesmo tempo, Lula já começou sua
maratona de engajamento de políticos e empresários na grande frente que está
sendo montada visando as eleições de 2022.
Há
um conjunto de possibilidades pela frente:
1.
Com Bolsonaro se habilitando às eleições de 2022, Lula será o líder inconteste
da frente ampla contra a barbárie.
2.
Se houver um enfraquecimento substancial de Bolsonaro, a mídia retomará os
ataques contra Lula, ressuscitando o anti-petismo. É por aí que vem a aposta de
Ciro Gomes um sujeito – como se diz em Minas Gerais – sabido, porém não
esperto.
3.
Não descarte a possibilidade dos militares atraídos por Bolsonaro tentarem
viabilizar o vice-presidente Hamilton Mourão, com escassas possibilidades de
sucesso.
GGN.
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