
Cuidar
dos filhos, das tarefas domésticas, enfrentar o desemprego e um futuro incerto.
Essa tem sido a vida de muitas mulheres brasileiras que neste domingo (9)
irão comemorar o segundo Dia Das Mães em meio à maior crise sanitária do
país.
No
ano passado, em razão da data, o Brasil de Fato entrevistou algumas mães para entender quais foram os
primeiros impactos sentidos após a chegada do vírus. Doze meses depois, estas
mesmas mulheres declaram que a situação socioeconômica está ainda pior.
Uma realidade confirmada por dados que abrangem o gênero feminino como um todo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o coronavírus deixou mais da metade das brasileiras fora do mercado de trabalho, cerca de 8,5 milhões de pessoas.
A babá Bruna Mendonça, de 31 anos, entrou para essa estatística, mas, preocupada com as condições de sobrevivência de sua mãe e da filha de 5 anos, adaptou-se a uma nova e difícil rotina.
Quando
conversou com a reportagem há um ano, ela já havia se mudado do Grajaú, onde
vivia com sua família na periferia da zona sul de São Paulo, para morar com o
namorado próximo a Raposo Tavares.
A
ideia era ficar mais próxima da casa dos patrões, no Morumbi, para que eles
arcassem com o custo de corridas por aplicativos e garantissem um deslocamento
com menor risco de contaminação pela covid-19.
Mãe
solo, deixou a pequena aos cuidados da avó com a mudança compulsória. Para sua
surpresa, com o aprofundamento da crise econômica, teve sua rotina estremecida
novamente.
“Eu
fiquei desempregada bem na pandemia, porque tiveram problemas financeiros
e me mandaram embora. Minha vida mudou de ponta cabeça. Percebi que na minha
área estavam procurando pessoas que podiam dormir no serviço”, conta
Bruna.
“Trabalhei
mais dois meses na casa de uma família que precisou, na emergência, e agora
trabalho em Santana. Estou trabalhando de segunda a sexta, dormindo no serviço
e vou para casa no fim de semana. Cuido de três crianças”, diz a mãe, que sente
alívio por estar empregada, mas que enfrenta a saudade de segunda a sexta.
“O
difícil mesmo é ficar longe da minha filha, só que eu já ficava. Eu preciso
para manter ela. O ex-marido só ajuda quando quer. Para conseguir
cuidar dela, me adaptei de novo. Estou pensando no futuro. Com essa epidemia,
não sei como vai ser o dia de amanhã”, desabafa a babá.
Quando
chega o fim de semana, Bruna volta para o Grajaú, e, como diz, “sente o baque”
tentando dar conta de todas as demandas - desde as compras no mercado ao ajudar
no esforço escolar da filha, que está em fase de alfabetização e tenta superar
o prejuízo das aulas presenciais suspensas.
A
mãe de Bruna, Beatriz Mendonça, também lidou com todas as dificuldades da
maternidade solo. Hoje, as duas se apoiam para conseguir superar
os impactos da pandemia.
Ela
é costureira e autônoma, sem renda fixa. Estava recebendo o auxílio emergencial
ao longo do ano passado e produzindo máscaras de tecido para venda. Agora, é
afetada pela queda brusca no valor do benefício e diminuição da demanda por
máscaras.
Ano
passado ela recebia o valor de R$ 600, mas atualmente recebe apenas R$ 150.
“[O
novo auxílio emergencial] É uma ajuda de custo que não supre nem o preço de uma
cesta básica. É muito fácil chegar na televisão e falar que o auxílio não é
aposentadoria. Todos nós sabemos disso, mas a pandemia não é culpa nossa”, diz,
citando declaração do presidente Jair Bolsonaro em janeiro deste ano, quando
negou a volta do auxílio.
“A
pandemia está nesse ponto por culpa deles. De um ano para cá, as coisas só
pioraram, nada melhorou. Continuamos pagando aluguel, água e luz cada vez mais
cara. Esse presidente não faz nada pra ajudar, deveria baixar ao menos a
alimentação, não cobrar tanto imposto. E a conta de luz aumentando... As coisas
estão cada vez mais difíceis”, lamenta.
TRABALHO
NÃO REMUNERADO
Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano
passado, mulheres dedicam em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos
e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas
atividades pelos homens.
Se
as mulheres já dedicavam mais tempo às tarefas de cuidados do que os homens
antes mesmo da pandemia, a mudança da dinâmica dos lares aprofundou as
condições de desigualdade, como mostra o estudo Sem Parar -
o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, da Sempreviva Organização
Feminista (SOF), publicado no ano passado.
O
coletivo aponta que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia
e 72% afirmaram que a necessidade de monitoramento e companhia aumentou. A
pesquisa também evidenciou o racismo estrutural no país: 58% das mulheres
desempregadas são negras.
De
acordo com a SOF, “a organização do cuidado ancorada principalmente na
exploração do trabalho de mulheres negras e no trabalho não remunerado das
mulheres é um fracasso retumbante para a busca de redução das desigualdades
antes e durante a pandemia do coronavírus.”
O
estudo constatou ainda que cerca de 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e
a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco.
Esse
é o relato mais comumente ouvido por Miriam Hermógenes dos Santos, de 48 anos,
que trabalha como secretária na Central de Movimentos Populares (CMP). Há um
ano, quando conversava com a reportagem, a situação das famílias que recebiam
doações do movimento já era delicada.
Um
ano depois, ela conta que parcela considerável das famílias assistidas e sem
renda foram despejadas. A queda no valor do auxílio emergencial e a
manutenção do desemprego em alta acentuam ainda mais a vulnerabilidade
dessas pessoas.
“É
a mulher que sofre maior impacto. Só ver nos metrôs e nos trens, muitas
mulheres com crianças pedindo ajuda… São as mulheres que têm que garantir o
leite e o pão pros filhos”, afirma Miriam.
Trabalhando
e se entregando à militância, o dia a dia de Miriam está mais atribulado do que
nunca. Além das tarefas do trabalho, ela lida com a preocupação
constante com seus 4 filhos e 3 netos, e outros parentes.
“Estamos
nos desdobrando. A situação econômica e social do país se agravou demais. São
muitas pessoas desempregadas na minha família, estamos tendo que nos juntar
para ajudar os sobrinhos, que tiveram que ser acomodados na casa da minha mãe
depois de perder emprego”, diz.
Atualmente,
vive somente com sua filha de 16 anos, a quem tenta ajudar, sem sucesso, a
conseguir o primeiro emprego. Segundo ela, seus filhos mais velhos não tiveram
tanta dificuldade para ingressar no mercado de trabalho como a encontrada
hoje.
Com
unhas e dentes, Miriam enfrenta um cotidiano exaustivo misturando trabalho,
militância, afazeres domésticos e a maternidade. Ainda que seus filhos sejam
adultos, o coração aperta diante do risco de contaminação pela covid-19.
Ano
passado, a preocupação com seu filho que mora nos Estados Unidos a visitou
todos os dias. “Graças a Deus ele já tomou as duas doses da vacina e continua
trabalhando lá. Falava pra ele se cuidar, ele trabalha com fast food lá.
Os daqui, tadinho, vão demorar para ser vacinados. Nem sei nem se eu consigo
tomar”, critica.
NO
LIMITE
Todo
esse contexto de pressão acende um sinal vermelho para a saúde mental das
trabalhadoras, e, novamente, das mães. Um estudo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) mostrou
que quase 84% delas sentiram maior sobrecarga em cuidar dos filhos durante a
pandemia.
Dentre
as 822 mulheres entrevistadas, das quatro regiões do país, 25% apresentaram
sintomas depressivos; 26,7% apresentaram sintomas de ansiedade; 22% de estresse
e 39% apresentaram estresse pós-traumático.
HOME
OFFICE
A
sobrecarga não é apenas relacionada aos trabalhos domésticos ou para as
mulheres que não tiveram a opção de cumprir o isolamento social. Mesmo aquelas
que entraram em regime de teletrabalho também sofrem o ônus com a sobreposição de papéis sociais.
Bárbara
Castro, pesquisadora da sociologia do trabalho e docente da Unicamp, comenta
que boas condições para trabalhar não perpassam somente pela garantia de
infraestrutura mas pelas condições de existir um ambiente propício para o
trabalho, sem interrupções. Algo que é ainda mais difícil para o gênero
feminino. Principalmente para as mães.
"As
mulheres, quando estão em casa, articulam trabalho e família o tempo inteiro,
sobrepostos. A grande maioria delas não tem um espaço reservado e mesmo quando
tem, as que possuem família, relatam terem suas rotinas interrompidas o tempo
inteiro pelas demandas familiares, existe uma sobreposição", explica
Castro.
Ela
afirma que durante as pesquisas que tem realizado é comum que a maioria dos
homens tenham um escritório ou outro espaço reservado, e que o relato de
interrupções são menores ou inexistentes para eles. Exatamente por isso, os
homens afirmam ser mais produtivos trabalhando em casa enquanto as mulheres
sentem que rendem menos.
Sob
condição de maior estresse em razão do acúmulo de tarefas de cuidado, seja da
casa ou dos filhos, as mulheres realizam jornadas mais pesadas no trabalho
remoto e no presencial.
De
acordo com a pesquisa da SOF, 41% das mulheres que seguiram trabalhando
durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na
quarentena.
Brasil de Fato.
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